Numa época de transformações profundas, o século XIX português assistiu ao nascimento de um dos seus mais emblemáticos educadores: João de Deus de Nogueira Ramos. Nascido em São Bartolomeu de Messines, a 8 de março de 1830, este poeta lírico de renome dedicou grande parte de sua vida a uma causa que considerava essencial: a educação. A influência da sua infância e a sua carreira literária desempenharam papéis fundamentais no desenvolvimento de suas ideias pedagógicas, resultando na criação de um método revolucionário de ensino da leitura, conhecido pela ‘Cartilha Maternal’.
A humilde origem de João de Deus não prenunciava o impacto que viria a ter na sociedade portuguesa. Filho de modestos proprietários, cresceu num ambiente onde a generosidade paterna contrastava com as limitações materiais. Tal contexto familiar incutiu-lhe valores de empatia e compreensão, essenciais para a sua futura abordagem pedagógica.
O percurso académico de João de Deus, marcado por uma entrada precoce no Seminário de Coimbra e posteriormente na Universidade de Coimbra, revelou desde cedo a sua inclinação para as letras em detrimento do Direito. A vida boémia de Coimbra, rica em estímulos culturais, foi o laboratório onde o jovem poeta refinou a sua sensibilidade literária, mas também onde se apercebeu das lacunas do sistema educativo da época.
A ‘Cartilha Maternal’, publicada em 1876, assentava num princípio inovador: a aprendizagem da leitura deveria ser um processo natural, prazeroso e intimista, semelhante à aprendizagem da fala. João de Deus propunha um método fonético, em que as crianças aprenderiam as letras e os sons através de jogos e cantigas, longe da memorização mecânica e da repetição enfadonha que caracterizavam o ensino da época.
Este método refletia não apenas a visão pedagógica avançada de João de Deus mas também a sua profunda compreensão da natureza humana. Ao colocar a relação afetiva entre mãe e filho no centro do processo de aprendizagem, o poeta educador antecipava conceitos que só viriam a ser amplamente reconhecidos pela psicologia educacional séculos mais tarde.
A aceitação da ‘Cartilha Maternal’ não se fez esperar. Reconhecida pela sua utilidade e inovação, a obra recebeu elogios de figuras proeminentes do panorama cultural português, como Alexandre Herculano e Adolfo Coelho. O método foi, posteriormente, adotado oficialmente pelo sistema educativo português, consagrando João de Deus como um reformador da educação.
A vida e obra de João de Deus deixaram marcas indeléveis na pedagogia portuguesa. A sua abordagem humanista da educação, que integrava a emoção e a razão no processo de aprendizagem, continua a ser uma fonte de inspiração para educadores em todo o mundo. O pedagogo revolucionário do século XIX demonstrou, com a sua vida e trabalho, que a educação pode e deve ser um ato de amor.
Ao refletirmos sobre a contribuição de João de Deus para a educação, somos convidados a reconsiderar as práticas pedagógicas contemporâneas, muitas vezes distantes daquela interação humana essencial que o poeta tanto valorizava. A sua obra permanece, portanto, não apenas como um testemunho de sua genialidade mas também como um lembrete perene da importância de ensinar com o coração.